Principal fonte de amargor da cerveja, conservante natural e parente da maconha... hein?! Sim, esse é o lúpulo.
O lúpulo é uma trepadeira de origem europeia, da família Cannabaceae, cujo nome científico é Humulus lupulus e suas principais funções na cerveja são adicionar amargor e aroma, conserva-la, dar corpo e estabilizar a espuma.
Depois de um longo e tenebroso inverno o Marimbondo voltou. Desculpem-me, leitores, pelo período de ausência, mas estive tão atribulado com algumas mudanças na minha vida pessoal que não pude escrever os posts.
E, dando continuidade aos textos sobre os 4 elementos, hoje eu vou falar sobre o Lúpulo, uma planta usada há cerca de 1.000 anos como fonte de amargor para a cerveja.
De acordo com registros históricos, o lúpulo iniciou seu papel como ingrediente cervejeiro por volta de 1067, conforme registro da abadessa beneditina Hildegarda de Bingen, do Mosteiro de Rupertsberg.
Mas a planta já era cultiva na Europa desde os anos 700 e.C.
Mas essa preciosa planta não é usada somente para adicionar amargor, o lúpulo também traz as seguintes vantagens:
1- Estabilizante do sabor, do aroma e da espuma. Sua estrutura química é formada por polifenóis (antioxidantes naturais) que, ao se juntarem com as proteínas da cerveja, aumentam a estabilidade coloidal, auxiliando na limpidez e melhorando a qualidade da espuma.
Esse mesmo complexo químico ajuda a sedimentação de resíduos durante a fabricação do mosto, que decantam no trub, ou seja, ajuda na clarificação do líquido.
2- Ele é bacterostático. Em outras palavras, impede a reprodução de bactérias, conservando melhor a cerveja.
3- Faz bem à saúde, pois possui propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. O xantohumol, por exemplo, possui propriedades anticancerígenas.
Olha aí que oportunidade pra responder àqueles que te dizem "Sabia que cerveja faz mal?!" !!!
Quais formas de comercialização?
Você pode adquirir o lúpulo em diferentes formas. Veja as principais:
Em Flor: Também chamado de in-natura. Nesse caso, o produtor colhe os cones, seca-os e embala em fardos. Essa forma rende menos (a extração de amargor é menor), ocupa mais espaço no armazenamento e se deteriora mais rapidamente.
Mesmo assim, ainda é muito querida por muitos cervejeiros tradicionalistas. Eles argumentam que essa é a forma menos manipulada, por isso, mais natural.
Pellets T-90: Os cones passam por um processo de secagem, moagem e prensagem. Na aparência lembra ração de coelho verde (não que o coelha seja verde ... ah, vc entendeu!)
Os pellets costumam ser comercializados em embalagens a vácuo ou em atmosfera saturada de nitrogênio, que substitui o oxigênio e evita sua oxidação.
Como vantagens, ocupa menos espaço e mantém as propriedades por mais tempo.
A numeração 90 indica que, para cada 100Kg de flor de lúpulo, obtem-se 90Kg de pellet.
Pellets T-45: Processo semelhante ao pellet T-90, com a diferença que houve maior retirada de material vegetal.
A numeração 45 indica que para cada 100Kg de flor de lúpulo tem-se 45Kg de pellet.
O T-45 é adequado a quem quer usar menos material para a fabricação da cerveja, pois, para o mesmo grau de amargor, é necessário adicionar menos pellets. Obviamente, esse produto é mais caro.
Pellets Isomerizados: Geralmente são lúpulos tipo Pellets T-90, mas com os alfa-ácidos isomerizados para iso-alfa-ácidos.
Os iso-alfa-ácidos são os alfa-ácidos já com capacidade de serem solúveis em água. Vou explicar melhor mais à frente.
Extrato: É a forma liquefeita do lúpulo, concentrado e com a retirada de material vegetal.
A maior vantagem é a estocagem e deterioração mínimas. Em contrapartida, é a forma mais alterada do lúpulo.
Essências: É a forma menos comercializada pois é muito recente. Esse processo é uma evolução da extração, obtendo características mais refinadas, procurando a obtenção mais dos aromas que do amargor.
Quais variedades?
Além da forma, você também tem uma variedade enorme de tipos, ou espécies para escolher.
Vou citar aqui apenas alguns exemplos para você se guiar.
- Saaz – ator principal das Bohemian Pilsners. Origem Tcheca, com nuances florais, picantes, e leve aroma de grama.
- Centennial – Tem origem nos Estados Unidos, e apresenta notas cítricas e florais intensas.
- Amarillo – Tem origem nos Estados Unidos e eu uso muito para aroma. Intensamente cítrico, frutado e herbal que sugere laranja, maracujá e pinho.
- Citra – Vem de uma nova linha de lúpulos norte-americanos, é o cruzamento de vários lúpulos e apresenta notas extremamente cítricas e frutadas que remetem a grapefruit, lima, melão, lichia e manga.
- Nelson Sauvin – Primeira variedade de lúpulo da Nova Zelândia a ter destaque no mercado mundial. Apresenta frutado intenso, com notas que remetem a uva, vinho branco, picante.
- Sorachi Ace – Tem origem no Japão. Apresenta notas cítricas e herbáceas que remetem a limão siciliano, raspas de casca de limão e coentro.
Se quiser saber mais, sugiro visitar as páginas em sites de produtores ou de revendedores.
Ou baixa essa planilha: Tabela de lupulos atualizada.pdf
Fontes:
https://www.bebomelhor.com.br/publicacao/lupulo/
http://blog.prazeresdacasa.com.br/brew/tipos-de-lupulo-para-cerveja-variedades-regionais/
Há outras formas de agregar amargor à cerveja sem uso do lúpulo?
Siiiimm, mas isso não é tão comum hoje em dia. Houve uma época, antes do uso do lúpulo como ingrediente cervejeiro, que o mosto era temperado com uma mistura de ervas e especiarias, o gruit.
Como exemplo de ingredientes do gruit podemos citar a mil-folhas, marroio (hortelã-do-maranhão), urze, zimbro, gengibre, anis e por aí vai.
Se você quiser saber tudo sobre o gruit, sugiro entrar em contato com meu amigo cervejeiro Daniel Gontijo.
Ele é 'o cara' pra falar sobre história da cerveja, receitas há muito esquecidas, ingredientes milenares (e que não são usados comercialmente) e processos históricos de fabricação.
Anota aê:
Como posso usar o lúpulo na fabricação da cerveja?
O uso do lúpulo, durante a fabricação, tem 3 objetivos principais: obter amargor, sabor e aroma.
AMARGOR A principal substância geradora do amargor é o alfa-ácido, um ácido pouco solúvel. Ora, como precisamos que ele esteja diluído na cerveja (para poder ser sentido pelo nosso paladar) é necessário torna-lo solúvel.
E isso é feito por meio do calor, que altera a estrutura molecular do ácido, processo chamado de isomerização.
Sendo assim, para podermos extrair o amargor através da isomerização do alfa-ácido, o lúpulo deve ser adicionado durante a fase de fervura e, quanto mais tempo nessa etapa, maior será a isomerização.
Existem fórmulas que relacionam o teor de extração de alfa-ácido de acordo com o tempo de fervura, mas existe um ponto de saturação, além do qual, não adianta manter a fervura que não haverá mais extração de alfa-ácidos. Grosso modo, o máximo de extração é de 32% após 60min. Ou seja, se um determinado lúpulo contém 10% de a.a. (alfa-ácido), e você adiciona 50g de lúpulo, quer dizer que, após 60min de fervura você terá extraído 50gx10%x32% = 1,6g de alfa-ácido.
Só que não ... rsrs
O problema é que há outros fatores que afetam esse cálculo, por exemplo a temperatura da fervura e a densidade do mosto. Quanto mais próximo de 100°C de fervura, maior a extração. Quanto mais denso for o mosto, menor será a extração.
Programas como o BeerSmith podem ajudar a calcular quanto de IBU (medida de amargor) eu obtenho de acordo com os fatores acima expostos.
Sugiro dar uma lida nesse post do canal Concerveja. Ele mostra a teoria de cálculo de IBU: Concerveja: Como Calcular IBU?
SABOR e AROMA Há outras substâncias no lúpulo que são de suma importância na fabricação. Trata-se dos óleos essenciais e dos beta-ácidos, que não são isomerizáveis. Eles são os responsáveis por adicionar sabor (um pouco menos volátil) e aroma (mais volátil) à cerveja.
Como essas substâncias são voláteis, ou seja, o calor da fervura faz com que eles vaporizem e sejam eliminados, temos um problema.
Se eu deixo o lúpulo muito tempo na fervura eu obtenho amargor mas perco o sabor/aroma. Se eu deixo pouco tempo eu garanto esses dois últimos, mas não adiciono nada de amargor. Como fazer?
Simples, faça várias adições, usualmente 3:
Lúpulos de amargor, com elevado teor de alfa-ácido, são adicionados no início da fervura, e ficam cerca de 60 min no mosto quente.
Lúpulos de sabor, com menos alfa-ácidos e mais beta-ácido e óleos essenciais, são adicionados faltando cerca de 15min para o fim da fervura.
Já os lúpulos de aroma, também com menos alfa-ácidos e mais beta-ácido e óleos essenciais, são adicionados ao final da fervura (faltando cerca de 5min ou após desligar o fogo).
CURIOSIDADES
1- Por que as garrafas costumam ser escuras?
Primeiro vamos falar do lightstruck que, em tradução literal, significa 'ataque da luz'.
Trata-se da reação à luz ultravioleta sofrida pelos iso-alfa-ácidos que são convertidos em 3-metil-2-buteno-1-tiol e que atribuem off-flavor associado a cheiro de gambá à cerveja.
Para evita-lo as garrafas de cerveja são em grande maioria de cor escura: âmbar ou marrom.
2- E quanto às garrafas claras ou transparentes?
Nesses casos existe outro recurso: a utilização de lúpulos modificados para suportarem o ataque da luz UV.
Esses lúpulos têm seus iso-alfa-ácidos convertidos em tetrahidro-iso-alfa-ácidos, que, além de resistentes à radiação UV, ajudam na formação de espuma.
3- Quem produz mais?
A Alemanha é o maior produtor mundial de lúpulo, respondendo por cerca de 38% de toda a produção mundial. Ela é seguida pelos EUA (32%) e pela China (7%), que está em franca expansão nesse mercado.
Não se assuste se, amanhã, um colega seu aparecer com uma cerveja temperada com lúpulos chineses.
O Brasil é um mercado consumidor, importando cerca de 4 mil toneladas/ano, o equivalente a R$ 200 milhões.
Fontes:
http://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2016/05/variedade-brasileira-de-lupulo-e-descoberta-na-serra-da-mantiqueira.html
https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%BApulo
4- Macho ou fêmea?
As plantas de lúpulo são classificadas como plantas dioicas, ou seja, há uma planta macho e uma planta fêmea.
É a fêmea que dá os cones, que contém a lupulina. Por isso, somente a fêmea é usada na fabricação de cerveja.
Enfim...
O lúpulo é muito mais do que um ingrediente de amargor. Ele conserva, favorece a estabilidade e faz bem à saúde.
Nada impede você de usar outros ingredientes, a exemplo do gruit, ou misturar o lúpulo com outras ervas. Tenha em mente que a experimentação é uma das coisas mais prazerosas na fabricação de cerveja.
Mergulhe na brassagem e nas experimentações.
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